Quarto Arrumado


Chuva a deixava de mau humor. Mas naquele dia, o pingar do lado de fora era só uma materialização do choro guardado, que ela escondia por imaturidade. Fato que não era toda a cidade que chorava, mas o egoísmo e a melancolia sussurravam que a chuva era toda dela naquele instante – perfeito cenário de tarde triste. Precisou olhar a pulseira pela última vez antes de junta-la aos papéis amarelados e bugigangas na caixa de papelão que ia para o lixo.


Lembrou do entrelaçar de alegria e tristeza com que recebeu aquele presente. Há cinco anos ela já sabia que teria a cena para sempre na lembrança. Mas a dor ainda não era palpável, apesar de previsível. Naquela tarde é que conseguiu entender as palavras que ouviu quando abria o embrulho: “Para que não esqueça o que tivemos”. Ela nunca esqueceria.


Quando só a distância física importava, não passava um só dia sem pensar nele e no sorriso bobo que ele a deixava toda vez que fazia um elogio. Quando à distância foi somado o tempo, a vontade de senti-lo era enorme e fazia planos para saciá-la. O desejo pela aventura tornava o planejar excitante. Quando o medo de deixar o cotidiano começou a fazer sermões sobre o imprudente, a excitação se despediu. Cinco anos depois, a chuva na janela trazia tudo isso de volta.


Nunca há de saber como teria sido. E entendeu que isso era o menos importante. A beleza sobrevivia no eterno tocar de mãos de anos atrás. Ela e ele, apaixonados, naquele tempo, eram para sempre. A intensidade estava no que foram e não no que seriam. Todo o resto é efêmero e sem valor. Guardou de volta a pulseira na gaveta. A chuva cessou.

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